CIDADE

‘As pessoas estão acima das coisas partidárias’

03/11/2023 14:00




 “Eu queria ser professor de História”, ele me confessa por trás de um sorriso de menino, daquele tipo encantado por ter conseguido driblar as porteiras e entrar no Cine Brasil: “A gente esperava terminar aquela primeira sessão, ficava junto com o pessoal que saía e entrávamos de ré no meio do povo.” Melhor do que isso somente a chave mágica do colega do Rosário para abrir a sala do Cine Vitória que dava para o banheiro onde os meninos se escondiam até a sessão começar. “Assistíamos a filmes adoidado”. Doido por cinema, o menino de 12, 13 anos fazia proezas para comparecer, se deixassem, em três sessões consecutivas. Raquell Welch, Brigitte Bardot... e Jane Fonda só não eram mais bonitas do que a namorada, Lúcia. 
 
  Ao falar da grande paixão da sua vida, o sorriso agora ascende aos olhos - chuviscados: “Sempre muito equilibrada... melhorei muito por causa dela. Lúcia me fez crescer bastante, eu era impulsivo demais.”
 
Transformado em risada, o sorriso então me conta que na universidade se indispôs com o orientador ao insistir em mudar a monografia sobre extração de eucalipto - assunto de destaque à época - para parques florestais. Mudou de orientador e criou o modelo de unidade de conservação para o Parque do Passa-Cinco. Ao teimar no novo tema, o formando em Engenharia Florestal tratava da questão ambiental, que desde 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, lhe chamara atenção.
 
“Eu queria fazer História ou Jornalismo”. No curso de História ele até se matriculou, mas a vida apontava tantos caminhos e ele não conseguia ficar mesmo parado. Jornalismo, ele tem no sangue. Desde o programa noturno diário na Rádio Sociedade de Ponte Nova à época da graduação... até as coberturas esportivas e transmissões de jogos do Mineirão e Maracanã. Foi repórter do jornal Estado de Minas, da Folha de Ponte Nova e da Rádio Capixaba em Vitória. Participou da sucursal do jornal Hoje em Dia.
 
José Alfredo Padovani tem o sorriso bonito e a palavra apurada. Se demora um pouco nas vogais, é seu processo de sintonizar a fala fácil ao pensamento a jato. 
 
Na conversa de duas horas, enquanto observava a produção da festa dos 80 anos do Clube Palmeirense, Padô me pôs a par dos quase 50 anos de ambientalismo: a Associação Pontenovense dos Amigos da Natureza (APAN) na década de 1970, o Partido Verde em 1996, a Conferência das Partes 
 
(COP-12) das Nações Unidas sobre Mudança do Clima no Canadá e a Fundação de Parques Municipais em Belo Horizonte em 2005, a revista “Passeio ao Rio Piranga” em 2007 (belissimamente ilustrada por Eduardo Brettas), o livro“Quatro Décadas de Ambientalismo” em 2018... 
 
Presidente da Apae, Padovani não milita mais em partidos políticos (“as pessoas e a vida estão acima das coisas partidárias”) e escreve menos sobre a questão ambiental, entretanto preserva a palavra-análise: “A Estação de Tratamento de Esgoto de Ponte Nova (ETE) está equivocada. Tinham que acatar o parecer técnico da UFMG, que mostra que o melhor local para a sua construção é o terreno da Parada, e não o da Gravatá.” 
 
Mesmo indignado com este e outros debates, como a possível exploração de Petróleo na Amazônia (“na contramão do mundo que quer reduzir o combustível de origem fóssil”), Padovani não larga o sorriso e mantém a calma. Sobre a fama de estopim curto, ele responde que recorre ao xará psiquiatra se bate a ansiedade: “Eu sou de Xangô da Justiça, por isso sempre tive esses embates.” Quando morava com a tia Carmem de Iansã, em BH, jogava pipoca pra Oxalá a pedido dela: “Sou católico, mas tenho o maior respeito por todas as religiões.”
 
Aos risos me mostra que faz o nome do pai com a mão fechada: “A gente tem alguma coisa não é pelo que se ganha, mas pelo que se deixa de gastar.” Alfredo, contudo, não economiza informações. Fico boba com sua memória para nomes, sobrenomes, datas, fatos: “Presto muita atenção nos meus interlocutores e pesquiso.” 
 
Padovani, você é um professor de História!