“Quem sou eu? Nossa! Era pra eu me chamar Mariana. Meu pai saiu pra me registrar e quando voltou... Nasci no Córrego da Alma, próximo de Dioguinho. Quando meu pai começou a trabalhar no Departamento de Estradas e Rodagem (DER), viemos para a Vila Oliveira, moramos um pouquinho no Santo Antônio. Estabelecemos no Triângulo, onde meu pai construiu a nossa casa.
‘Vai boiadeiro, que a noite já vem...’, minha mãe lavava a roupa pra fora e lavava cantando, arrumava a casa e passava a roupa cantando. Minha avó gostava muito de ler, tinha uns livros. Eu não sabia ainda ler, então ela lia pra mim, contando histórias. E isso ficou em mim.
Teve também o circo no campo do Municipal com quem eu quis ir embora (risos). Aí o que eu fiz? Comecei a fazer acrobacia, plantar bananeira, fazer pirueta e, junto com outras meninas, panos na cabeça e maiôs (vestidos embolados nas calcinhas), ensaiávamos, montávamos a cortina (lençóis), as cadeiras no quintal e apresentávamos para a vizinhança. Isso ficou adormecido muitos anos, porque eu não me percebia artista, achava que era coisa de criança, entendeu?”
Ah! Adair Liberato Delfino, naquela tarde junto a você e seu amado, Silmar Borges, entendi a arte totalmente ao seu redor: os quadros, os adornos, os livros, a mesa harmoniosamente arrumada. Sua casa é casa de artista. Não somente os objetos e as cores, mas o clima, a energia, o axé. Um recanto gostoso de onde foi difícil sair.
A conversa finalizada no escritório reinicia-se na sala, com café, bolo e outras guloseimas. Artistas evocados - Pyrtz, dona Laene, maestro Juquita, Teobaldo, Zé da Bateria, Zé Cunha... - fazem parte do poema que Adair está escrevendo:
“- Eu tô falando de todos os encontros de estrelas no céu”, me revela, sua mente borbulhando emocionada.
Adormecida, a arte retornou à vida de Adair pelo convite do teatrólogo Hailton Karran:
“- Eu trabalhava na Prefeitura e nas minhas folgas ajudava o Karran nas Quintas Culturais.”
E incentivo do teatrólogo, Emerson de Paula, que a avisou do edital da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
Mesmo antes de se formar em Artes Cênicas/Direção Teatral pela Ufop, Adair já teatrava em Ponte Nova com Emerson de Paula, Luciano Correia, Wedlé Martins, Regina Pereira. Nas Escolas Otávio Soares e Reinaldo Alves Costa, ensinava teatro e dança.
Quase se formando em Ouro Preto, vinha dois dias a Santa Cruz do Escalvado e Santo Antônio do Grama para trabalhar com teatro e dança, obviamente. E aí veio o susto:
“- Recebi um telefonema de doutor Taquinho (prefeito de Ponte Nova à época) perguntando se eu aceitaria ser secretária de Cultura. Primeiro, eu assustei. Não conhecia a estrutura de uma Prefeitura, de um Município.”
Depois, junto ao único funcionário da recém-criada Secretaria, Olegário Lopes Neto, Adair foi-se desdobrando, atenta aos conselhos dos seus professores da Universidade: “Amplia o olhar, não olha pra uma única direção, a gente tem que olhar em volta, por tudo.”
Após dois anos, Adair torna-se secretária de Cultura de Rio Doce por 12 anos, conquistando para a cidade uma equipada sala de cinema, promovendo mostras, debates e oficinas.
“- Cultura é educação, tem que estar todos os dias na vida da gente.”
Penso que persistência, ousadia e articulação têm sido responsáveis pelas conquistas de Adair. Ela sonha, não desiste e faz parcerias. Enquanto conversamos, perco a conta de tantos nomes que ela vai citando.
Hoje Adair continua agregando pessoas pela dança circular.
“- É uma dança de inclusão, todo mundo pode participar: criança, gente de 80 anos, quem é cadeirante, tem dificuldade de se movimentar...” No sábado seguinte ao nosso bate-papo, Adair iria dançar com cerca de 200 pessoas no 22º Encontro de Mulheres Rurais em Oratórios.
“- A dança circular cuida da mente, espírito e corpo”, me explica sorrindo.
Ah, Adair! Se antes a admirava pelo incrível trabalho na cultura e pelo cabelo vermelho (risos), agora sou fã de carteirinha!