Esta FOLHA divulga relato sobre a história do Carnaval em Ponte Nova, a partir de trabalho de mestrado em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania de Janice Estarlino Vidal, moradora do distrito do Pontal, em 2019, na conclusão do Curso de História na Universidade Federal de Viçosa/UFV.
Ela pesquisou diferentes formas de festejar o Carnaval em Ponte Nova na primeira metade do século XX, como já registramos nessa segunda-feira (15/2).
“O intuito é compreender como esta festa era brincada pela classe pobre do município, no entanto, ao pesquisar sobre o Carnaval popular nos jornais de Ponte Nova, nos deparamos com uma grande quantidade de informações sobre outro tipo de Carnaval”, disse ela para detalhar:
“O elitizado, mesmo não sendo nosso objeto de estudo, tem muito valor para fazermos um contraponto entre essas diferentes manifestações carnavalescas. Cabe destacar que as distintas formas de Carnaval resultaram na construção de diferentes paisagens.”
Por meio das pesquisas feitas em jornais de Ponte Nova de 1906 a 1955, Janice identificou que “as festividades momescas dos clubes se apresentam de forma ostensiva. Isso ocorria pelo fato de os jornais terem um alcance que ia além dos seus sócios, e então essa parcela elitizada fazia questão de se exibir para um número maior de pessoas, de forma a reavivar seu status”.
Ela continua: “A leitura dos jornais nos permitiu perceber que as notícias divulgadas sobre o Carnaval eram majoritariamente referentes ao seu modelo elitizado, o que gerou a seguinte indagação: o que faziam as pessoas que não tinham alto poder aquisitivo na época do Carnaval? Os pobres não se divertiam na festa? As leituras realizadas nos mostraram que sempre a camada popular forjou táticas para se divertir. Foi assim no Entrudo e nas outras manifestações de Momo.”
Janice se deteve em notícia de 1906, quando, durante a folia pontenovense, relata-se a presença do Bloco Zé Pereira, organizado pelo Grupo Amor Tem Fogo.
“O Zé Pereira é uma manifestação nas ruas, de caráter popular, já que é aberta ao grande público. Tinha como sonoridade os bumbos e tambores que formavam uma batucada. Essa manifestação atraía muitos seguidores, mas não agradava a todos e era desaprovada pelas pessoas que planejavam uma festa ordeira”, concluiu a pesquisadora.
“Nos chama atenção o nome do grupo organizador - 'Amor Tem Fogo' -, pois sugere uma subversão dos ditos bons costumes da primeira década do século XX. Essa subversão da moral, conforme observamos nas leituras do capítulo 'Paisagens Efêmeras e Festas Populares', é uma das características do Carnaval, que se fez presente até mesmo em uma cidade do interior de Minas Gerais, como é Ponte Nova”, argumenta Janice.
Ela deparou ainda com a notícia da festa carnavalesca no Clube dos Destemidos, uma folia fechada, promovida para aqueles que dispunham de boa condição financeira para pagar a mensalidade da agremiação nos festejos e poder exibir o luxo nas fantasias.
No ano de 1914, apurou ela, o Jornal “O Piranga” anunciou batalhas de confetes e lança-perfumes nos Cinemas Avenida e Brasil, ambos no Centro Histórico. Armou-se um coreto entre os dois cinemas, e a festividade, animada pela Corporação Musical Ceciliana, tinha na agenda "polca, tango e schottisches", além de peças musicais, como rapsódias e óperas.
A notícia revelou, conforme o texto de Janice, que, apesar de essa festa acontecer na rua, era direcionada a um público específico, já que era localizada na mais importante avenida da cidade, sendo organizada pelas diretorias dos cinemas ou de clubes vinculados a eles.
A pesquisadora se deteve ainda no jornal Correio da Semana, em 1918, o qual anuncia o grupo carnavalesco Farofas Resistentes, "organizando um préstito com carros alegóricos e de crítica", com percurso pelas principais ruas do bairro Palmeiras e do Centro Histórico. Segundo a reportagem, o nome do grupo faz referência ao difícil ano de 1918, exibindo a “característica cômica e debochada da festa carnavalesca”.
O jornal Correio da Semana, em 1919, menciona a participação do Clube Carnavalesco “Heroes da Epocha”, o qual já possuía barracões para a confecção de seus carros alegóricos e de crítica, o que sugere que essa agremiação detinha formas mais organizadas de preparar sua festa. A reportagem menciona o nome de dois carros alegóricos - “A Paz” e “A Victoria dos Alliados” -, numa evidente referência à Primeira Guerra Mundial.
A pesquisadora Janice apurou que somente nos fins dos anos 1920 as camadas médias urbanas adquiriram condições financeiras que lhes permitissem alugar carros para “participar dos préstitos”.
Já em 1922, o jornal “A Notícia” anunciava o Carnaval popular, com presença de Blocos de Zé Pereira. O informativo ainda relatou as luxuosas fantasias dos carnavalescos que desfilaram pela cidade. Janice ressalta a referência à manifestação denominada Cordão. Estes, como relata a literatura, tiveram influência da população negra, especialmente por meio de vestimentas, personagens e uso de instrumentos de percussão.
Os jornais da época registraram também poemas com características momescas. Em 1922, divulgou- se a letra da música “Samba Escolar”, o que intrigou a pesquisadora, pois o ano considerado como marco do samba brasileiro é o de 1917: “Portanto, cinco anos depois Ponte Nova já apresentava consonância com o desenvolvimento cultural de nível nacional, com sua simbologia relacionada ao povo afro-brasileiro e sua cultura.”
Leia mais na edição desta quarta-feira (17/2).